Processo de Integração

   Comércio Regional

   Comércio, Integração e Mudança Climática


A análise e a discussão das inter-relações e implicações entre as variáveis ambientais e o comércio encontram-se nas diferentes agendas de política comercial, nacional e internacional desde a década de 70.

Dessa maneira, este tema, que conta com uma significação atual, real e potencial não menor para a ALADI, foi abordado em diversos fóruns e instâncias internacionais, entre os quais é possível mencionar: a Conferência das Nações Unidas sobre o Meio Humano em Estocolmo (1972); o relatório da Comissão Mundial sobre o Meio Ambiente e o Desenvolvimento intitulado “Nosso futuro comum” (1987), no qual se cunhou o termo “desenvolvimento sustentável”; a Conferência das Nações Unidas sobre o Meio Ambiente e o Desenvolvimento “Cúpula da Terra” no Rio de Janeiro (1992); e o “Programa 21” das Nações Unidas aprovado no mencionado âmbito, no qual se reconheceu a importância de promover o desenvolvimento sustentável mediante o comércio internacional, e muito mais recentemente a Conferência das Nações Unidas sobre o Desenvolvimento Sustentável “Rio+20” (2012), no qual se adotou o relatório intitulado “O futuro que queremos”(1), que contém parágrafos sobre “mudança climática”(2), “biodiversidade”(3) e “comércio”(4) baseados no desenvolvimento sustentável, entre outros muitos temas.

No âmbito do sistema multilateral de comércio, a Rodada de Tóquio do GATT (1973-1979) já se ocupava do tema, particularmente no que se refere à negociação do Acordo sobre Barreiras Técnicas ao Comércio (BTC). Isso continuou durante a Rodada do Uruguai do GATT-OMC (1986-1994), na qual se incluíram questões ambientais a diversos acordos(5) e, inclusive, no Acordo de Marrakesh (1994), por meio do qual se estabelece a OMC, manifestou-se a necessidade de trabalhar em favor de um “desenvolvimento sustentável”.

A tarefa não é simples, a relação entre o objetivo de preservar o meio ambiente e as políticas comerciais é transversal e multidisciplinar e incorpora dentro de sua análise temas tão complexos como a relação entre as normas OMC e as obrigações comerciais específicas estabelecidas nos Acordos Multilaterais de Meio Ambiente (AMUMA); o efeito das medidas meio-ambientais no acesso aos mercados; as prescrições relativas à etiquetagem para fins meio ambientais; a aplicação de determinadas manifestações do princípio precautório do direito ambiental ao comércio internacional; a proliferação de normas privadas baseadas em consideração ambientais que são aplicadas ao comércio internacional, entre outros.

Essas e outras questões são debatidas pelos países-membros da OMC no âmbito do Comitê de Comércio e Meio Ambiente da mencionada organização, criado em 1995, bem como pelo Comitê de Medidas Sanitárias e Fitossanitárias, entre outras instâncias.

No mesmo sentido, são já emblemáticos casos como o famoso "tuna dolphin", entre o México e os Estados Unidos da América (1991), desenvolvido sob o âmbito do sistema de Solução de Controvérsias da OMC, que explicitou questões tais como a importância de trabalhar pela compatibilização dos objetivos do sistema multilateral de comércio com aqueles derivados dos diferentes fóruns e acordos multilaterais dirigidos a proteger o meio ambiente, bem como a necessidade de zelar para que a questão ambiental não se converta em um obstáculo injustificado para o comércio ou seja utilizada para escudar interesses protecionistas.

Nesse sentido, nos fóruns multilaterais e nos regionais, devemos realizar um esforço para enfrentar com responsabilidade esses desafios, bem como para harmonizar as normas vigentes sobre comércio internacional com as normas multilaterais sobre meio ambiente, de maneira a gerar sinergias e promover ações compatíveis com o desenvolvimento sustentável.

A América Latina deve desempenhar um papel ativo no debate internacional sobre a matéria, dentro do qual a questão da mudança climática aparece em um lugar central no mesmo, por sua relação direta com temas tais como o aparecimento de desastres naturais cada vez mais extremos e frequentes, a segurança alimentar, o surgimento de regulamentações de caráter restritivo para o comércio, entre outros.

No que se refere à incidência da mudança climática no comércio, devemos estar preparados perante a emergência de políticas públicas ambientais e regulamentações de caráter restritivo para nossas exportações, bem como para enfrentar a proliferação de normas privadas nos mercados de destino, de caráter muito mais restritivo que as regulamentações oficiais. Entre as primeiras, é possível citar os denominados “Tributos de ajuste em fronteira"(6) e a “Lei Granelle da França”, e, como exemplos das segundas, aparecem primeiramente os “esquemas de etiquetagem de carbono"(7), os “esquemas de etiquetagem de eficiência energética”, “eco-etiquetagens” e outros padrões voluntários.

Além dos legítimos objetivos que esse tipo de regulamentação oficial e “paraestatal” possa perseguir, muitas vezes podem esconder afãs protecionistas, o que resulta particularmente notório no que se refere às segundas.

Isso não quer dizer que não devamos separar o joio do trigo: há um problema real que deve ser abordado. A mudança climática antropogênica tornou-se, parafraseando o título do famoso filme de Al Gore, uma verdade mais inconveniente que nunca, paradoxalmente com mais força para aqueles que pretenderam relativizar os efeitos da atividade humana sobre o clima (basta ver a desastrosa temporada do cinturão agrícola dos Estados Unidos, que teve em junho e julho passados os dois meses mais quentes da história desse país).

No âmbito regional, o Tratado de Montevidéu 1980 (TM80) contribuiu com uma boa base normativa para trabalhar a questão ambiental, incluindo, logicamente, o referente à mudança climática a partir de uma perspectiva de integração. Os redatores de nosso texto fundador tiveram já naquela época a visão de incorporar a variável meio ambiental em seus bens jurídicos a serem protegidos por suas normas, assinalando no Artigo 50 do mencionado texto normativo que os países-membros se encontravam facultados a celebrar acordos de alcance parcial que tivessem em consideração, entre outras matérias, “a preservação do meio ambiente”.

Concretamente, cabe perguntar-se o que pode fazer frente a esses desafios um processo de integração com o desenvolvido pela ALADI, sob cujo marco jurídico foi desenvolvida a maior parte das correntes comerciais intra-regionais e que permitiu ao setor exportador de nossos países, em sua maior parte composto por micro, pequenas e médias empresas (MPMEs), aprender a exportar com valor agregado, dando as ferramentas necessárias para inserir-se em um cenário internacional sumamente competitivo.

A resposta deve passar, a partir de nossa visão, por esse mesmo caminho. A ALADI tem que oferecer respostas concretas aos operadores econômicos de nossos países, que lhes permitam enfrentar as diferentes barreiras comerciais que vêm aparecendo nos mercados internacionais, baseadas em considerações vinculadas à mudança climática.

Nesse sentido, acreditamos que a ALADI tem que concentrar seus esforços em gerar um mecanismo que realize, em primeira instância, uma tarefa de detecção prévia e acompanhamento permanente desse tipo de medidas e possibilite a implementação de iniciativas de capacitação de nossos micro, pequenos e médios exportadores, que lhes permita enfrentar as mesmas, por exemplo, em temas como a medição da pegada de carbono de seus produtos, entre outros.

Ao mesmo tempo, esse mecanismo ou sistema teria que servir igualmente de marco para a identificação e o intercâmbio de experiências bem-sucedidas em nossos países; para a geração de debates especializados sobre esta matéria(8) que permitam, por que não?, estabelecer as bases para que os países da ALADI possam participar de um futuro com posições comuns ou coordenadas e com um peso específico próprio, dentro das principais instâncias de governança mundial em matéria de comércio e de meio ambiente.

César Llona
Subsecretário de Desenvolvimento do Espaço de Livre Comércio

 

Notas:

(1) Nações Unidas, A/conf.216/L.1, 19 de junho de 2012.

(2) Parágrafos 190, 191 e 192.

(3) Parágrafos 197 a 204.

(4) Parágrafos 281 e 282.

(5) Modificou-se o Acordo BTC e foram incluídas considerações ambientais a diversos Acordos: Acordo Geral sobre o Comércio de Serviços (AGCS), Medidas Sanitárias e Fitossanitárias (MSF), Subvenções e Medidas Compensatórias (SMC) e Aspectos dos Direitos de Propriedade Intelectual relacionados com o Comércio (ADPIC).

(6) Estas regras permitem, em determinadas condições, utilizar ajustes sobre produtos importados e exportados, determinando um preço justo em função das perdas causadas pela fuga de carbono ou perda em competitividade. Desde 1º de julho de 2006, a França e o Reino Unido cobram imposto das passagens aéreas, cuja arrecadação destina-se a um fundo para combater a AIDS, a malária e a tuberculose no mundo em desenvolvimento.

(7) A maioria dos países desenvolvidos e um número cada vez maior de países em desenvolvimento adotaram no plano nacional prescrições técnicas para promover a eficiência energética. Um exemplo é a medição da pegada de carbono.

(8) O recente Seminário sobre Comércio, Integração e Mudança Climática, realizado na sede de nossa Associação no dia 25 de julho de 2012, foi um bom começo para este processo de reflexão conjunta entre os países-membros da ALADI.

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