Entrevista

 

 

   Alejandro de la Peña: a Integração deveria ser como o gato de Mao

 

Há algumas semanas, o mexicano Alejandro de la Peña Navarrete, atual secretário-geral da Associação Latino-Americana de Integração (ALADI), visitou o país [Bolívia]. O secretário defende a visão de que a integração econômica deve ser, em primeiro lugar, flexível, mas também capaz de se alimentar de diversas contribuições, de boas práticas entre países, que não interesse a cor do gato, desde que ele cace o rato...

— A ALADI, de certa forma, surge do fracasso da ALALC (Associação Latino-Americana de Livre Comércio). Como é a construção do que hoje chamamos “espaço de livre comércio”?

— Efetivamente, a ALADI tem uma tradição longa, que começou em 1960 com a criação da ALALC. Hoje estamos atravessando uma situação que eu chamaria de favorável. A mudança da ALALC pela ALADI trouxe mais flexibilidade de ação ao processo de integração, que tem seus altos e baixos. Um indicador usado para medir o processo de integração é o comércio intrarregional como proporção do comércio total que temos os países-membros da ALADI. Houve anos melhores: em 1994, por exemplo, o comércio intrarregional representava 22% de nosso comércio total; hoje, infelizmente, estamos em 16,8%. Porém, há terreno, há potencial; queremos aproveitar isto. Já avançamos muito no que diz respeito à outorga de preferências entre os países-membros.

— Novas formas de integração econômica, talvez?

— Novos desafios. Por exemplo, o que denominamos “medidas não tarifárias”, todas aquelas que não são o célebre “imposto à importação”. Medidas, por exemplo, do tipo sanitário, para proteger a vida e a saúde das pessoas, das plantas e dos animais, mas que são mais complicadas de trabalhar.

— Há grupos de integração como o MERCOSUL, a CAN, a Aliança do Pacífico. Isto gera mais rispidez ou mais integração?

— Faz parte da evolução. Depois de 1980, surgiram alguns mecanismos sub-regionais, como a CAN, e é natural termos uma relação mais intensa com nossos vizinhos. Na ALADI, no entanto, não há um porta-voz de nenhum destes mecanismos. Aqui eles são o Brasil, a Argentina, o Paraguai, o Uruguai; não são o MERCOSUL nem agem como o MERCOSUL, aqui cada país age de forma individual. O mesmo acontece com a CAN ou com a Aliança do Pacífico. Na CAN, é interessante o caso da Bolívia. Apesar desse processo de integração ser o mais profundo e o que mais longe chega, a metade do comércio da Bolívia é com o Brasil e com a Argentina. Por isso a ALADI é importante: porque é a casa de todos e tem entre seus princípios o respeito ao sistema, a que cada país tenha seu próprio desenvolvimento; por isso, entre seus princípios, também está a convergência na diversidade.

— O que significa esse princípio de flexibilidade incorporado pela ALADI?

— Aqui entra em jogo a flexibilidade do Tratado de Montevidéu [de 1980, que cria a ALADI], pela qual não todos precisam estar em tudo ao mesmo tempo. A flexibilidade é fundamental; além do mais, o sistema multilateral de comércio perante a crise que atravessa a Organização Mundial do Comércio (OMC) está tomando o rumo do que eles denominam “acordos plurilaterais”. Isto nos permite avançar ao ritmo dos mais dinâmicos e não ao ritmo dos menos dinâmicos, ou bem ao ritmo dos mais interessados em certo tema. Não todos têm interesse real em todos os temas. Ora, para isto temos de ser transparentes, deixar as portas abertas à participação dos outros. Quando alguém não participa, os motivos são dois: ora o país não quer, pois não se trata de obrigar ninguém, ora ele não pode por falta de recursos. Aí entra em ação a assistência técnica, o apoio dos outros; há um caminho a percorrer nesse sentido.

— Qual o potencial da ALADI para a resolução de conflitos? A Bolívia fez um reclamo junto ao Chile pelo prejuízo de reiteradas greves em seus portos.

— Na solução de diferenças, há um problema profundo, conceitual. Em tudo quanto tem a ver com comércio, já existe um mecanismo de resolução de diferenças, que foi um sucesso: o da OMC. Para que o que fizermos na ALADI fazer sentido, o mecanismo deve ter um valor agregado sobre o que já existe. No caso da Bolívia e do Chile, o que temos é a Resolução 114, mais do tipo conciliatório do que executório. Os países-membros da ALADI ainda não temos outorgado à Associação a faculdade de decisão, de decisões obrigatórias, coercitivas; isto é o que em outros fóruns chamam de “legislação branda”: o diálogo é incentivado. A controvérsia entre a Bolívia e o Chile insere-se na Resolução 114. Isto incentivou as partes a dialogarem; foram estabelecidas mesas de negociações para abordar diferentes aspectos.

— Houve resultados?

— Nós não temos recebido resultados. Há mesas de trabalhos, houve resultados, soluções pontuais a certos aspectos em algumas partes, mas não temos um relatório final das partes.

— Em que medida as ideologias se misturam com a integração? Como ajuda ou prejudica a existência de uma ALBA frente a uma Aliança do Pacífico, por exemplo?

— O Tratado de Montevidéu de 1980 reconhece que cada país pode escolher a forma como quer se desenvolver. Por isto, a ALADI continua trabalhando de forma regular, pois não é um fórum político. Ora, não podemos negar que há momentos de mais ou menos harmonia na região e, nesse sentido, pode sim haver um impacto no processo de integração; daí a importância, por exemplo, de que o setor empresarial tenha uma maior participação para amortecer, de certa forma, os vaivéns da região.

— Esse é um papel interessante. A ALADI ajuda na estabilidade.

— É interessante. Uma das coisas que eu quero recuperar na ALADI é seu papel de fórum negociador, por exemplo, no comércio intrarregional. Embora a porcentagem seja baixa, tem uma característica que não se aplica ao comércio extrarregional, porque são, em sua grande maioria, manufaturas. No comércio extrarregional, no entanto, grande parte da exportação é constituída por commodities, algumas com certo valor agregado, matérias-primas em geral, mas não é o conveniente para nenhum de nós. O caso do México é atípico: 83% de suas exportações são manufaturas, mas isso é devido a sua relação com os Estados Unidos. O comércio intrarregional é muito interessante, vendemo-nos manufaturas mutuamente.

— Há algum objetivo próximo a ser concretizado na ALADI?

— Não temos um acordo com prazos estabelecidos por um programa. Os avanços vão acontecendo como podem. Há, porém, certas visões sobre o que chamamos um possível “acordo econômico comercial integral latino-americano”, que é uma iniciativa muito ambiciosa. Contudo, eu não sei se as circunstâncias atuais permitem pensar em empenhar esforços em uma iniciativa desse porte. Adiro mais à opinião de que há mais probabilidades de ir avançando onde se possa. A facilitação do comércio é um tema muito importante sobre o qual devemos trabalhar. Eu não vejo, no curto prazo, uma cúpula ou uma reunião importante onde se fale: “a partir de agora esta será a integração daqui a dez anos”. Eu não considero que a nossa região esteja nessa posição, mas sim que têm existido cúpulas do MERCOSUL, da CAN, da Aliança do Pacífico. Esse é um desafio para a ALADI, que seja aproveitado, como estão aproveitando os outros mecanismos. Não se trata de que existam alguns ou outros, todos devem coexistir, e é possível. O que deve ser feito é desenvolver canais de comunicação e evitar antagonismos, divisões. Por que não procuramos melhores práticas, sem importar de onde elas vêm? Alguém me comentou sobre certos avanços de UNASUL e não vejo por que não podemos replicar isto na América Latina, na ALADI. Como dizia Mao [Zedong, líder revolucionário chinês (1893-1976)], que foi muito ousado: “não importa se o gato é branco ou preto, desde que cace os ratos”. Portanto, [a contribuição] que vier do MERCOSUL, da CAN, da UNASUL, que venha de onde vier, devemos aproveitá-la. Isso é integração.

Entrevista publicada em Animal Político, suplemento de La Razón (edição impressa)

/ Iván Bustillos / La Paz, 27 de junho de 2018