Artigos de Opinião

   Acordo Econômico Comercial Integral Latino-Americano

“A ideia é trabalhar na articulação do conjunto de acordos desenvolvidos nas sub-regiões no plano político, social e cultural – além de no plano econômico – e contar com um projeto latino-americano que fortalecer a cooperação, no intuito de passar do âmbito bilateral ao plurilateral e regional, reforçando a nossa identidade”, frisou.

Leia resumo da matéria.

Qual foi sua motivação para fazer uma proposta de maior integração neste contexto mundial?

—O contexto mundial pode ser definido hoje em dia como ameaçante ou, para não sermos tão dramáticos, como desafiante. Há em andamento uma mudança das orientações que reforçam a crise do multilateralismo e que pode levar a uma ordem mundial mais ingovernável e descontrolada, apenas protagonizada por três ou quatro países fortes. Daí que a América Latina deve agir prontamente e encontrar respostas propositivas e articuladas perante esta realidade.

Considera que realmente estão dadas as condições para isso?

—Sim, desde que surgir vontade política convinda dos países que compartilharem a leitura desta nova situação e que, para além dos ajustes das estratégias nacionais, considerarem importante uma iniciativa de cunho latino-americano, isto é, que virem nas incertezas uma oportunidade para a região.

Em um mundo que vaticina mais protecionismo, poderemos ir contra a maré?

—Nós não estamos inventando nada. Estamos tentando materializar na região a maior parte dos acordos que temos elaborado nos campos comercial, econômico, político e social e avançar na área da cooperação, que permita aumentar o comércio intrarregional e responder com inteligência e eficácia a uma realidade menos amigável. Atualmente, a liberalização atingida no âmbito dos acordos assinados no marco do Tratado de Montevidéu é de 82% do universo tarifário.

Considera que o papel da ALADI é liderar este tipo de transformações?

—A ALADI tem todos os atributos para avançar neste tema e para fazer um exercício propositivo sobre quais seriam os alicerces de um acordo econômico comercial integral latino-americano. O Tratado de Montevidéu é muito atual e é regido pelos princípios de flexibilidade, pluralismo e tratamento diferenciado para os países de menor desenvolvimento econômico relativo. Na ALADI, coexistem, de forma harmônica, os países do MERCOSUL, da Aliança do Pacífico, da Comunidade Andina e de parte da ALBA, e, aliás, contamos com informações estatísticas, base de dados e recursos humanos que podem fazer muito bem esta tarefa. No âmbito da ALADI, está inscrita a maior parte dos acordos comerciais da região, incluindo muitos dos chamados de “última geração”.

Depois de anos de escassos avanços e muitos retrocessos nesse aspecto, a região tem a maturidade necessária como para dar um passo dessa dimensão?

—A conjuntura obriga a acelerar o passo, a dar um pulo em nosso relacionamento. Quando o ciclo é ascendente e cada país se dá bem internamente, o consenso integracionista cresce em matéria política, mas são poucos os avanços de fundo: em infraestrutura, comércio, integração produtiva. Agora, temos a oportunidade de complementar a política com as realidades mais permanentes. Exemplo disso é a pluralização dos acordos bilaterais na América Latina, que permitiria acumular origem, isto é, que os insumos circulassem na região, condição para gerar encadeamentos produtivos e dar esse pulo que mencionamos.

Que estratégia deveria ser usada?

—A estratégia central é dinamizar e enriquecer o que há muitos anos estamos construindo, incorporando temas de nova geração, outorgando à região mais visibilidade, coesão e protagonismo para que, alguma vez, a América Latina possa falar com uma única voz. A visão política é acentuada quando os interesses convergem. Estamos voltados para isso, para uma convergência mais profunda, para sermos uma comunidade de valores – que já somos – e de interesses comuns.

O que entende por acordo “de última geração”?

—Trabalhar sobre as novas disciplinas – a serem definidas pelos países –, que podem ser serviços, compras públicas, propriedade intelectual, investimentos e a relação cada vez mais estreita entre o comércio, o trabalho e o meio ambiente.

A ALADI fez referência aos “dois grandes objetivos” desta iniciativa. Quais são?

—O principal objetivo é gerar as condições para aumentar significativamente o comércio regional, que representa, na atualidade, 14% do total do comércio da ALADI, enquanto que esta percentagem na União Europeia e na Ásia representa 60%. O intercâmbio intrarregional é um comércio protagonizado basicamente por pequenas e médias empresas que geram trabalho de qualidade, em regra, e que, geralmente, é bem remunerado. Porém, em geral, este comércio é de produtos de maior elaboração e, em alguns segmentos, de tecnologia baixa ou média, o que faz uma diferença com o que a maioria dos países exporta para o mundo desenvolvido, quer para a China, quer para a Europa ou para os Estados Unidos. Neste sentido, cabe destacar que as manufaturas representam 54% do comércio intrarregional e apenas 18% das exportações extrarregionais. Contudo, temos poucos encadeamentos e quase nada de associação de empresas latino-americanas. É neste aspecto em que a expansão e o aprofundamento dos acordos podem melhorar o âmbito para avançar. O relacionamento virtuoso entre os campos político e técnico e o setor empresarial é fundamental.

O segundo objetivo decorre do primeiro. Com mais integração, será simples acordar posições políticas em nível regional, isto é, com a região como ator importante no cenário mundial.

Já conversou sobre este tema com governantes da região? Em caso afirmativo, qual a sua impressão?

—Em qualquer cúpula presidencial, há discursos sobre a América Latina como a região mais integrada do mundo e é muito fundamentada a importância de estarmos cada vez mais unidos. A conjuntura internacional nos chama a dar maior conteúdo a uma narrativa que muitas vezes fica limitada ao plano discursivo.

Também, é importante que um conjunto de personalidades acompanhe esta iniciativa. Nesse sentido, eu falei com o meu amigo Enrique Iglesias, que viu este projeto como necessário e oportuno. Se contarmos com dez ou quinze personalidades latino-americanas que contribuírem com a sua experiência, será muito enriquecedor.

O México, hoje em dia em problemas em razão das medidas estadunidenses, pode virar o grande estopim de uma união latino-americana fortalecida?

—O México é membro fundacional da ALADI e tem demonstrado grande compromisso com a instituição. A ameaça de construção do muro nos dói, como latino-americanos, e nos leva à solidariedade, mas a resposta não deve ser para fomentar antagonismos, mas para fazer proposições, que somar interesses, que for pragmática e eficaz. Nada permanente pode ser consolidado partindo do antagonismo; pelo contrário, temos de afirmar a nossa identidade latino-americana e estar à altura das novas exigências.

Se déssemos um passo como o proposto, o seguinte seria avançar em relações conjuntas com outros grupos regionais? A quais regiões daria a preferência?

—Seria importante um acordo com o Caribe para falar da América Latina e o Caribe. Depois, cada país ou sub-região tem privilegiado acordos extrablocos com os Estados Unidos, a Europa, a China, a Índia e outros, mas não cabe a nós opinar sobre isso. Não haverá destino sem um mercado ampliado mais forte.

Hoje em dia, existem alguns laços comerciais – por exemplo, entre países do Atlântico e do Pacífico – que revelam números muito baixos de intercâmbio. Como pode ser melhorado esse intercâmbio?

—Precisamente, os números de comércio entre nós devem nos fazer reagir; não teremos destino se não construirmos um mercado ampliado mais forte. Esse é o poder da América Latina: fazer regionais as enormes riquezas que temos. Ficou evidente que as vantagens comparativas de cada um foram insuficientes para garantir um crescimento sustentável, ainda dos países maiores; por isso, a potenciação do nosso espaço interior ampliado é fundamental. Isto não altera os diversos modelos de inserção de cada um dos países no mercado mundial.

O que lhe faz pensar que estamos preparados, com a imensa heterogeneidade da região?

—Há cronogramas de desgravação, com prazos diferenciados em função das diversas sensibilidades e dimensões das economias. Com as disciplinas comerciais ocorre a mesma coisa: os países sempre negociam levando em consideração as suas respectivas capacidades de cumprimento.

As integrações sempre se fazem com base na heterogeneidade, seja produtiva, de tamanho, modelo ou orientações, que mudam segundo o jogo democrático. A Europa, que foi o laboratório melhor sucedido, era e é um grande mosaico, como é a Ásia, muito mais que a América Latina. Se a heterogeneidade for o impedimento, não pensemos mais em integração.

Carlos Chacho Alvarez
Secretário-Geral

Nota: Publicado no jornal El País, do Uruguai, em 6 de fevereiro de 2017.

Volver